Luiz Fux é o único ministro da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a divergir em etapas do processo da trama golpista. O magistrado já questionou a competência da Corte para julgar o caso, considerou “exacerbadas” as penas aplicadas a envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, votou contra medidas cautelares ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e expressou dúvidas quanto à delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Nesta terça-feira, 2, começa o julgamento de Bolsonaro e de outros sete aliados pela trama golpista e as ponderações de Fux já vêm alimentando expectativas nas defesas dos réus, que passaram a enxergar no magistrado a possibilidade de ao menos um voto pela absolvição.
Com relação às medidas cautelares impostas a Bolsonaro, como o uso da tornozeleira eletrônica e a proibição de utilizar as redes sociais, Fux foi o único integrante da Primeira Turma do STF a divergir de Moraes. Os demais membros do colegiado — ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia — acompanharam a decisão do relator.
Durante a decisão, Fux argumentou que a amplitude das medidas “restringe desproporcionalmente direitos fundamentais”, como a “liberdade de ir e vir” e de “expressão e de comunicação”. Para ele, não teve “demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares”.
“É indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos”, argumentou o ministro na ocasião. “Destaque-se que parte das medidas cautelares impostas, consistente no impedimento prévio e abstrato de utilização dos meios de comunicação indicados na decisão (todas as redes sociais), confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”.
O posicionamento do ministro lhe rendeu elogios da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, por ser o único a votar contra as medidas cautelares impostas a Bolsonaro. Michelle fez um trocadilho e questionou: “Fux está sendo um facho de ‘lux’ no STF?!”.
A postura divergente do ministro reacendeu até mesmo o movimento “In Fux we trust” entre setores da direita. A expressão, que ganhou notoriedade durante a Operação Lava Jato, originou-se de uma troca de mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Em 2016, Dallagnol relatou ter conversado com Fux sobre a força-tarefa, ao que Moro respondeu: “In Fux We Trust” [“Em Fux nós confiamos”].
De acordo com Marina Coelho Araújo, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), doutora e professora de Direito Penal, caso Fux mantenha sua divergência, “há possibilidade de recursos ao plenário”. Em caso de condenação, um voto desfavorável abriria espaço para recursos como embargos infringentes.
Embargos Infringentes são um recurso jurídico previsto no artigo 609 do Código de Processo Penal brasileiro, cabível quando há divergência em julgamento, ou seja, quando não há unanimidade na decisão) e um ou mais votos vencidos favorecem o réu. A defesa, neste caso, pode usá-los como estratégia para protelar o processo ou buscar uma revisão simbólica.
Sobre a postura do ministro da Primeira Turma em questões processuais, ela avalia que sua divergência anterior pode refletir nas possíveis penas a serem determinadas em caso de condenação dos réus. “Pode impactar na aplicação da pena. Penas menores, acredito”, destaca.
Segundo Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Administração Pública pela FGV-SP, a expectativa é de que Fux manifeste divergências tanto processuais quanto de mérito na ação penal.
“Fux entende que os réus a serem julgados, inclusive Bolsonaro, não têm foro privilegiado e os autos do processo deveriam ter sido encaminhados para a primeira instância”, reforça. Essa provável contestação sobre a competência da Primeira Turma do STF para processar o caso é a primeira grande divergência esperada. Além disso, o ministro já sinalizou que o Plenário da Corte deveria ser o responsável pelo julgamento.
No mérito, Fux também deve apresentar resistências. “Há resistência de Fux quanto à existência de nexo causal entre a famigerada reunião de Bolsonaro com embaixadores e os atos do 8 de janeiro”, destaca a especialista.
Outro ponto crítico para o ministro é a validade do acordo de colaboração premiada de Mauro Cid. “As circunstâncias em que o acordo foi realizado levam a crer que não houve voluntariedade do colaborador”, diz Vera, o que, para Fux, poderia invalidar essa prova ou, no mínimo, enfraquecer as acusações.
A advogada constitucionalista também aponta que Fux tende a concordar com parte da doutrina que vê os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático como não autônomos. “Ou seja, um serve de meio para o cometimento do outro, o que atrai a condenação por um deles e não pela somatória de ambos. O pano de fundo para essa compreensão é o Princípio da Consunção. Portanto, um crime se sobrepõe ao outro e não permite a sua somatória”, explica a especialista.
Apesar das divergências, a advogada acredita que o resultado final não será alterado: “A maioria da Primeira Turma já se posicionou sobre aqueles questionamentos e não vai mudar a sua posição”. A previsão é de um placar de 4 x 1 pela condenação.
Quanto aos recursos, Vera afirma que a possibilidade de a defesa de Bolsonaro conseguir um resultado favorável por meio de embargos enfringentes é remota. Ela explica que, embora teoricamente possível, o recurso exigiria dois votos vencidos para ser aceito pelo Plenário — cenário pouco provável, dado o entendimento recente do STF sobre a hierarquia entre Turmas e Plenário.